Foi com profunda
estranheza e de incomprensão que a LGDH registou as declarações do
Primeiro-ministro, segundo as quais «todas as crianças que forem apanhadas a
mendigar nas ruas de Bissau serão presas e deportadas para as ilhas». Estas
infelizes declarações, para além de serem desajustadas para com as nobres
funções do Primeiro-ministro, ignoram o verdadeiro drama social por que passam
milhares de crianças, forçadas a deambular nas ruas de Bissau em nome da
sobrevivência dos seus respectivos mestres.
A complexidade deste
fenómeno brutal, que poe em causa os mais elementares direitos das crianças,
ultrapassa meras medidas cosméticas e populistas as quais em nada contribuem
para melhorar uma realidade social atentatória à vida e integridade física das
vítimas.
Aliás, é curioso
constatar que o Primeiro-ministro ao invez de anunciar medidas legislativas e
operacionais adequadas, para sancionar aqueles que enviam as crianças nas ruas
para mendigar, decreta ilegalmente a deportação daqueles que sofrem pela
inacção do estado.
Como é do
conhecimento público, a situação geral das crianças na Guiné-Bissau não pode ser
dissociada das dificuldades conjunturais e estruturais que este país enfrenta a
vários anos, agravada pela constante instabilidade política que afeta
sobremaneira o seu tecido económico e social. Apesar do país dispor de
instituições e organizações da sociedade civil que trabalham no domínio da
defesa e proteção dos direitos das mesmas e de instrumentos jurídicos internos
que consagram preceitos em prol das crianças, nomeadamente, a Constituição da
República, o Código Penal, o Estatuto de Assistência Jurisdicional de Menores,
existem fraquezas no capítulo das suas aplicaçoes e os mesmos carecem de
harmonização com os instrumentos internacionais de defesa e proteção dos
direitos das crianças. Com efeito, o sistema de proteção jurídica e social das
crianças é deficitário em todas as suas vertentes, particularmente com a
ineficácia dos tribunais especializados para dirimir os casos de crianças em
conflito com a lei, para além das limitações de acesso aos serviços sociais
básicos. A tudo isto se associam as indefinições e sobreposições das
atribuições institucionais e uma inexistência de estratégias de coordenação no
domínio da proteção das crianças.
Em consequência, os
direitos à participação, desenvolvimento, proteção e sobrevivência, que
assistem às crianças à luz da ordem jurídica nacional e do direito
internacional, continuam ainda a ser um objetivo muito longe de se atingir.
A LGDH no quadro da
sua missão de promoção e protecção dos direitos humanos tem publicado
relatórios regulares sobre a situação dos direitos humanos na Guiné-Bissau com
capitulos específicos sobre a situação da infancia no nosso país. Estes
sucessivos relatórios, recomendam ao governo a premente necessidade de
aprovação de uma lei contra a mendicidade forçada, criando assim uma base
jurídica forte para a erradicação desta prática cultural violenta.
Infelizmente, os
sucessivos governos sempre fizeram ouvido de mercador, e nunca colocaram este e
outros assuntos de capital importância nas suas agendas prioritárias.