23 de novembro de 2017

DECLARAÇÃO DE REPÚDIO À PRÁTICA DE ESCRAVATURA NA REPÚBLICA DA LÍBIA


O mundo e a África, em particular, foi confrontado com as notícias divulgadas pelos órgãos de comunicação social que revelam a prática de escravatura na República da Líbia, perpetrada pelas redes criminosas de trafico de seres humanos, sobretudo dos migrantes africanos, que tentam desesperadamente chegar à Europa a procura de melhores condições de vida.

A recente reportagem da CNN sobre esta triste realidade, revela que os migrantes  provenientes de países da África subsariana são forçados a permanecerem em locais fechados, sem água ou alimentação digna desse nome, até serem vendidos em leilões de escravos  por valores que variam entre 400 e 1000 Dólares Americanos.

 Estes vergonhosos atos de crueldade e de violações graves dos direitos humanos, abafados pela inércia e pela indiferença da comunidade internacional, traduzem-se num ultraje à consciência da humanidade e que não pode ser tolerado.

Considerando que a prática de escravatura viola de forma flagrante a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, a Convenção da ONU sobre a Escravatura,  Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura e do Tráfico de Escravos;

Tendo em consideração a responsabilidade primária da República da Líbia em defender e proteger eficazmente os direitos humanos à luz das suas obrigações assumidas nos instrumentos internacionais acima identificados;

Tendo em consideração as informações na posse da LGDH, segundo as quais dezenas de jovens guineenses se encontram entre as vítimas destas práticas, para além de vários outros casos de detenções arbitrárias cuja resolução obrigou os familiares das vitimas guineenses a pagar resgates em valores que oscilam entre 500 e 700 mil francos CFA;

Tendo em conta o estranho silêncio das autoridades nacionais face aos relatos da situação infernal em que os cidadãos guineenses se encontram na Líbia;

Tendo em conta a responsabilidade da comunidade internacional, nomeadamente as Nações Unidas, a União Africana, a CEDEAO, de promover e proteger os direitos humanos à luz dos instrumentos internacionais por eles adoptados ;


A Liga Guineense Direitos Humanos e demais organizações da sociedade civil da Guiné-Bissau, profundamente chocadas com as consequências nefastas destes crimes contra a humanidade, deliberam os seguintes:
1. Condenar sem reservas as atrocidades que estão a ser cometidas contra os migrantes na República da Líbia;

2. Exigir a abertura de um inquérito internacional conduzido pelo Tribunal Penal Internacional visando a identificação e consequente tradução à justiça dos autores de tais crimes contra a humanidade;

3. Apelar firmemente as autoridades Líbias para assumirem as suas responsabilidades em todo o território nacional, tendente à adopção de medidas adequadas para proteger os cidadãos nacionais e estrangeiros das atrocidades dos contrabandistas de escravos, e punir de forma exemplar os autores morais e materiais de tais atos hediondos;

4. Instar à comunidade internacional, nomeadamente às Nações Unidas, a União Africana, a União Europeia e a CEDEAO, no sentido de articularem os esforços com vista a criação de uma força internacional com o mandato claro para combater o tráfico de seres humanos na Líbia;

5. Apelar a mobilização das organizações da sociedade civil da África e do mundo em geral para fazer face a este inaceitável cenário de escravatura moderna na Líbia;

6. Manifestar a sua solidariedade para com as vítimas e respectivos familiares

Feita em Bissau aos 23 dias do mês Novembro de 2017

Pela paz, Justiça e Direitos Humanos

18 de novembro de 2017

MIGRANTES AFRICANOS VENDIDOS COMO ESCRAVOS POR 400 DÓLARES



Conseguem chegar a território europeu, no melhor dos casos; ou são capturados, levados para um centro de detenção e repatriados. Ou acabam mortos por afogamento nas águas do Mediterrâneo - e a este trágico fim, junta-se agora a desumanidade de terminar os dias como escravo em território líbio, vendidos em leilão pelo equivalente a 400 dólares (340 euros).

Um trabalho da CNN, divulgado ontem, revela que em várias cidades da Líbia se realizam vendas de migrantes pelos traficantes que eram suposto trazê-los até à Europa. Provenientes de países da África subsariana, são forçados a permanecerem em locais fechados, sem água ou alimentação digna desse nome até serem vendidos. Um destes migrantes, Victory, natural da Nigéria, disse à CNN ter "gasto todas as economias" na tentativa de chegar até à Europa e acabou por ser vendido como escravo, supostamente por não ter pago o suficiente para a parte final da viagem. Victory, que aguarda num centro de detenção em Tripoli o repatriamento, ficou livre após a família pagar um resgate. Quando foi comprado valeu precisamente 400 dólares.

A investigação da CNN vem chamar a atenção para uma realidade que existe na Líbia desde o fim da ditadura de Muammar Kadhafi, em 2011. Realidade que ganhou maior dimensão desde que o país se tornou, em 2016, a principal plataforma para migrantes e refugiados tentarem chegar à Europa. E que a crise política, os confrontos entre fações e a desagregação do aparelho do Estado vieram facilitar.

Em abril último, um relatório da Organização Internacional para as Migrações (OIM) descrevia situações idênticas às de Victory, com "pessoas a serem vendidas em mercados a céu aberto". Uma reportagem publicada então pela revista Newsweek recolhia testemunhos - de homens e mulheres - de migrantes africanos e as situações de crueldade, violência e abuso a que tinham sido sujeitas estas pessoas pelos traficantes. E também pelos elementos da Guarda Marítima líbia e agentes dos centros de detenção deste país. Quanto a este último aspeto, um relatório do alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra"ad Al Hussein, divulgado ontem revela que "milhares de homens, mulheres e crianças emaciados, traumatizados, sem espaço para se mexerem, fechados em hangares e sem qualquer acesso a necessidades básicas". Estão hoje 20 mil pessoas nos centros de detenção em Tripoli.
 
                         Vendido duas vezes

A reportagem da Newsweek recolhe o depoimento de um jovem adulto da Guiné que disse ter sido "vendido duas vezes". Na primeira, "fui vendido a um árabe, que me obrigou a trabalhar para ele e a telefonar à minha família a pedir dinheiro para pagar um resgate". Como isso não sucedeu, o primeiro árabe vendeu o guineense a "outro árabe", para o qual teve também de trabalhar, só ficando livre quando a família pagou o resgate.


A mesma reportagem refere que também as mulheres são vendidas em leilões de escravos e que o seu preço é superior ao dos homens. Além de forçadas a trabalho escravo, são vítimas de abusos sexuais.


Por seu lado, o relatório da OIM divulgado em abril revela que os traficantes, na fase inicial da viagem, durante a travessia do deserto do Sara, costumam negociar com grupos armados que raptam os migrantes para depois pedirem resgates, a serem pagos por transferência via Western Union ou Money Gram. Quando não são pagos os resgates, os migrantes são vendidos como escravos ou ficam sem comida.


Um outro relatório da OIM, da semana passada, indica que o maior número de mortes de migrantes sucede na travessia do Sara, estimando que seja agora o dobro do número de pessoas que já perderam a vida este ano na travessia do Mediterrâneo ou seja 2750 pessoas.