6 de fevereiro de 2017

INTERVENÇÃO DO PRESIDENTE DA LGDH NA CERIMÓNIA DE ABERTURA DA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS HUMANOS



Excelência Sr. Presidente da ANP

Excelência Sr. Embaixador da UE

Excelência Sr. Embaixador de Portugal

Excelência Sr. Director de Amnistia Internacional para Africa Ocidental e Central

 Excelências Senhores corpo diplomatico acreditado no país

Caros colegas membros das corganizações da sociedade civil,

Permitam-me em nome da LGDH saudar a sua excelência Sr. Presidente da ANP pela  sua pronta disponibilidade em acolher a realização desta conferência nesta magnífica casa do povo, geralmente reservada às sessões e eventos da ANP. Este gesto não só revela o enorme compromisso da vossa excelência com os objetivos deste evento, mas também demostra como a colaboração e articulação entre as organizações da sociedade civil e diferentes estruturas do estado, trabalhando em sinergias, pode produzir resultados satisfatórios.

A realização desta conferência integra  a estratégia de promover avaliações periódicas e objectivas da evolução da situação dos Direitos Humanos na Guiné-Bissau depois de três anos de trabalho de monitoria do projeto “observatório dos Direitos” assentes na construção de indicadores dos direitos nas suas multiplas dimensões, nomeadamente, o acesso à saúde, à educação, à justiça e à água potável.
Ao longo dos três anos da sua execução, o prjecto “Observatório dos Direitos” permitiu a criação de um sistema de dados fiáveis a nível nacional, com base em indicadores especificamente construídos para o efeito e que consiste no tratamento e análise adequado dos dados recolhidos, os quais constituem hoje uma referência obrigatória para os académicos, jornalistas, investigadores e demais interessados no panorama dos direitos humanos no nosso país.

Aliás, o Projeto permitiu, em certa medida, a criação de bases para a afirmação de uma cultura dos Direitos Humanos na Guiné-Bissau, favorecendo a acção cidadã e o respeito efectivo de todos os direitos.  Trata-se de uma necessidade de fazer oposição à cultura de impunidade que ganhou raízes profundas na sociedade guineense desde os primórdios da independência até aos dias de hoje.

Excelência Sr. Presidente da ANP

A Guiné-Bissau figura na lista dos grandes países que proclamaram a sua fé aos  ideais da paz e da dignidade da pessoa, ao subscrever a Declaração Universal dos Direitos Humanos bem como algumas convenções e tratados sobre os direitos humanos.

A expressão desta vontade devia ser traduzida em acções que favoreçam a promoção e respeito pelos direitos humanos, a igualdade dos direitos e de oportunidades, visando o desenvolvimento e o progresso social de todos, sobretudo dos que se afiguram, pela natureza das coisas, mais vulneraveis e/ou se encontram em situações especiais.

Infelizmente, depois de mais de 40 anos de independência, a problemática dos direitos humanos continua longe das prioridades dos sucessivos inquilinos do poder, fazendo da Guiné-Bissau parte integrante de uma lista restrita de países sem nenhum plano ou estratégia nacional pública de promoção e respeito pelos direitos humanos.

Aliás, assiste-se à escala nacional violações sistemáticas dos direitos humanos a todos os níveis senão vejamos:
O país ainda não conseguiu desvendar os contornos dos assassinatos políticos de 2009 e outros actos semelhantes subsequentes que ocorreram nos últimos anos, deixando pairar, por um lado, um sentimento de benevolência e de conforto àqueles cujas acções se traduzem no sintomático desrespeito pela vida humana e, por outro, um sentimento de frustração e de descrença nas instituições da República por parte das vitimas ou familiares das vitimas das intromissões, arbitrárias, violentas, e gratuitas desses atores.

Continuamos a assistir a práticas recorrentes de torturas e tratamentos crueis e deshumanos perpetrados por agentes que servem dos poderes do estado para aterrorizar as populações a quem se juraram defender e não são minimamente incomodados nem pelas hiararquias das corporações a que pertencem nem pelas instituições judiciárias.

Continuamos a assistir a denegação da justiça aos cidadãos que se manifesta, por um lado, pela enorme distância que separa a esmagadora maioria da população dos tribunais, por outro, pela morosidade e elevada insensibilidade de alguns operadores da justiça às questões sociais. A recente ação de despejo coletivo de centenas de famílias num dos bairros periféricos de Bissau, constitui uma demostração clara da urgente e imperiosa necessidade de se proceder a reforma do sector da justiça, tornando-a num instrumento de protecção dos direitos e não de propagação da incerteza e da insegurança jurídicas.

Esta inovadora decisão judicial para além de ser insensata, viola de forma grosseira o direito vigente na Guiné-Bissau. Mesmo admitindo a hipótese de a pessoa a favor de quem foi proferida a sentença fosse o titular do direito de uso privativo do terreno em causa, o facto de nesse mesmo espaço ter sido construído imóveis de valor superior é suficiente para que o tribunal procurasse uma outra forma de ressarcir o titular do terreno dos prejuízos que tiver sofrido em consequência da confusão.

A referida decisão judicial torna-se mais aberrante ainda quando os factos revelam que a maioria esmagadora das famílias ora despejadas exerciam a posse publica e de boa fé sobre os terrenos em causa, nalguns casos, há mais de 10 anos, sem qualquer tipo de perturbação ou interpelação, quer judicial quer extrajudicialmente.   

No plano económico e social, o povo guineense continua a deparar-se com problemas de corrupção generalizada, de dificuldades de acessos à água potável, à saúde e à educação, entre outras. De igual modo, se assiste a ausência de uma política social efectiva de redução da pobreza, orientada para fazer face às reais necessidades da população, associada à degradação das infra-estruturas sociais, alta taxa de mortalidade materna e infantil, alto grau de desemprego e fornecimento irregular da energia eléctrica.

Continuamos a assistir ainda violações graves dos direitos humanos das mulheres, nomeadamente mutilação genital feminina, casamento forçado, violência doméstica, morte das parturientes devido a falta de condições mínimas de assistência nos estabelecimentos hospitalares, tráfico de pessaos, enfim, variadas formas de atentados contra a dignidade da mulher.

O povo guineense continua a constatar acções e disputas políticas antidemocráticas que visam única e exclusivamente a resolução dos problemas pessoais em detirmento das reais necessidades básicas dos cidadãos.

Continuamos a assistir ao recrutamento e transporte de centenas de crianças guineenses para os países vizinhos, sobretudo para o  Senegal e Gambia, sob o falso pretexto de aprender os ensinamentos religiosos, quando na verdade o objetivo final é sujeição ao trabalho forçado e a exploração. Igualmente, inumeras raparigas são transportadas para os mesmos destinos para se servirem de empregadas domestica, sendo que na maioria de casos, são reduzidas a prostituição e exploração sexual.

Não obstante este quadro sômbrio, não se vislumbra sinais capazes de resgatar a autoestima dos guineenses, antes pelo contrário, assiste-se ao extremar de posições que em nada abona senão para agudizar ainda mais a fragil situação que caracteriza o país neste momento.

A sociedade guineense vive hoje num clima de incerteza, numa amargurada impotência e refém de uma classe política dividida, imprevisível, e hávido pelo poder. A população vive entrincheirada no seu próprio receio de um amanhecer de novas violencias, de fugas sem destino, agravadas pelo facto de se aperceber que a comunidade internacional está a dar sinais legítimas de cansaço face à crónica instabilidade política que se regista no país.

É urgente uma tomada de medidas para inverter o rumo das coisas e neste sentido a Liga aproveita esta oportunidade para convidar todos os guineenses, sem excepção, para se unirem em torno dos grandes desígnios nacionais, nomeadamente: O respeito pelos direitos humanos e as regras do jogo democrático, o diálogo franco e aberto com base nos critérios do respeito pelos principios estruturantes do estado de direito,  a luta pelo desenvolvimento, a solidariedade, a tolerância, a liberdade, a justiça e ao respeito pela diversidade.

Igualmente, atendendo ao seu impacto no exercício dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, a Liga exige a revogação imediata do despacho n. 20/2016 do Ministro da Administração Territorial que restringe de forma inconstitucional a liberdade de manifestação e de reunião no espaço publico.

Para terminar, quero saudar calorosamente a presença aqui  do eterno amigo da Liga e da Guiné-Bissau, o Sr. Alioune Tine, Ex- Secretário geral da RADDHO e actual director da Amnistia Internacional para Africa Ocidental e Central, para partilhar connosco o seu rico conhecimento e experiencia sobre a situação dos direitos humanos em Africa e sobretudo, na nossa subregião.

Quero em nome da Liga e dos demais parceiros envolvidos neste projeto, de uma forma muito especial, apresentar a nossa enorme gratidão à União Europeia, pelos inestimáveis apoios financeiros que tem disponibilizado a organização, sem os quais seria impossivel executar o projecto Observatório dos Direitos, do qual emana esta conferência, e demais outras actividades que a LGDH vem desenvolvendo nos últimos anos.

De igual forma, uma palavra de apreço e de agradecimento à Cooperação Portuguesa pelos apoios sistemáticos que tem dado a nossa organização não só neste projecto em concreto, mas também, noutras aréas não menos importantes.

Que a paz, justiça e direitos humanos prevaleçam na Guiné-Bissau!

Muito obrigado