Numa altura em que todos se regozijam pelo retorno à ordem constitucional depois de mais de 2 anos de desgovernação e de afronta aos mais elementares normas que regem o estado de direito, a nossa consciência nos interpela para uma reflexão sobre um assunto de capital importância chamado direitos humanos.
Como é do conhecimento público, a problemática dos direitos humanos nunca fez parte da agenda dos sucessivos inquilinos do poder na Guiné-Bissau desde a independência até a presente data. Tanto assim, as violações sistemáticas dos direitos humanos traduzidas em varias formas, desde assassinatos políticos, espancamentos brutais, detenções arbitrárias, torturas entre outras, foram e continuam a fazer parte do modus operandi de varias estruturas e agentes que ostentam o poder do estado. No que concerne aos direitos económicos e sociais, o estado clinico é caótico, pois o país não tem conseguido prestar os serviços mínimos básicos à população, nomeadamente água, ensino, saúde, eletricidade, infraestruturas e salário digno. A par destas constatações preocupantes, temos os casos das violações graves dos direitos humanos que decorrem da incúria do estado face as praticas tradicionais nefastas que traduzem em atentados contra a dignidade da pessoa humana mormente, casamentos forçados, mutilação genital feminina etc.
Por conseguinte, não seria nenhum exagero afirmar que da nossa independência em 1973, para cá, foram 40 anos de atropelos à dignidade da pessoa humana, 40 anos de ultraje à memoria colectiva, 40 anos de intrigas, corrupção e de clientelismo político, 40 anos de denegação da justiça aos cidadãos, enfim, 40 anos de desestruturação das bases sobre as quais assentariam o estado guineense.
É curioso e triste recordar que os autores morais e materiais do golpe de estado de 12 de abril 2012, fundamentaram as suas ações ilegais com base neste quadro dramático, e, afirmaram de forma pomposa as suas intensões de proceder uma rotura definitiva com o passado, lançando bases para uma governação democrática que repousa nos mais sagrados princípios axiológicos do estado de direito. Foi tudo ao contrário, o golpe fez regredir todos os indicadores ao nível dos direitos humanos até nos aspectos em que éramos considerados um dos bem posicionados ao nível da África, tais como a liberdade de imprensa e de expressão, para além de outras violações grosseiras que ocorreram ao longo deste fatídico período de transição que congregou um grupo de génios incompetentes ávidos ao enriquecimento fácil.
Para quem que conhece minimamente a Guiné-Bissau, constata facilmente que este país nunca foi objecto de uma verdadeira governação que satisfaz as aspirações do povo e o projeta no caminho do progresso e bem estar social. Os seus recursos foram sempre utilizados pelo proveito de um punhado de gente corrupta, obcecadas ao poder sem mínima preparação para o efeito. A nossa falta de seriedade associadas aos galopantes índices de corrupção no sistema judiciário e a enraizada cultura de impunidade, tornam a Guiné-Bissau um santuário de delinquência minando todos os esforços da comunidade internacional visando a consolidação da paz rumo ao desenvolvimento sustentado.
Perante tantas prevaricações, violências, misérias e discriminações infundadas coloca-se a questão de saber, que fazer? Como fazer? Como agir no capitulo de promoção e respeito pelos direitos humanos? Sobretudo, quando as expectativas de ajudas publicas ao desenvolvimento são muito escassas devido as crises que afugentam as principais economias do ocidente, para não falar dos rigorosos critérios de acede-las.
Não podemos deixar de reconhecer, que a única contrapartida que a Guiné-Bissau pode oferecer e estimular os apoios dos seus principais parceiros de desenvolvimento nesta fase crucial, é ressaltar a importância dos direitos humanos.
Para isso, é nossa convicção que o poder político oriundo das recentes eleições gerais não dispõem de muita margem de manobra. A situação impõem que a vossa excelência elege a promoção dos direitos humanos como instrumento da política externa e de mobilização dos recursos financeiros os quais o país necessita urgentemente.
Por isso, lançamos um desafio ao novo Primeiro-ministro Eng. Domingos Simões Pereira, para romper as barreiras de conservadorismo no que concerne a composição orgânica do governo, e, criar por conseguinte, uma Secretaria de Estado dos Direitos Humanos. Isso não seria marketing político mas sim, uma medida genuína que visa transmitir uma forte mensagem à comunidade internacional sobre o compromisso das novas autoridades para com os valores do estado de direito. Aliás, a questão dos direitos humanos faz parte de um leque de preocupações com as quais a comunidade internacional pretende aferir a determinação das novas autoridades para proceder uma rotura definitiva com os males que afectam a Guiné-Bissau entre as quais as violações dos direitos humanos.
Esta eventual Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, chamaria a si a coordenação política de todas as iniciativas públicas de promoção e defesa dos direitos humanos. De igual forma, os parceiros de desenvolvimento neste domínio, passariam a dispor de um interlocutor importante que ajudaria o país a cumprir as suas múltiplas obrigações internacionais decorrentes das convenções, protocolos e tratados assinados, nomeadamente a elaboração e execução do primeiro plano de ação pública de promoção e defesa dos direitos humanos na Guiné-Bissau.
Esta desejada estrutura governamental ajudaria também o executivo na formulação e concretização de politicas relativas à promoção e respeito pelos direitos humanos a luz dos principais instrumentos internacionais assinados e ratificados pelo país. De igual forma, seria-lhe incumbida a tarefa de efetuar estudos relativos ao aperfeiçoamento dos órgãos que intervém na realização da justiça, assegurando o respeito pela dignidade da pessoa humana e promover a cultura pelo respeito dos direitos humanos junto dos órgãos do estado e dos cidadãos.
Por fim, ela serviria uma ponte para a Guiné-Bissau definitivamente honrar os seus compromissos junto das Nações Unidas, da União Africana, este último através da sua Comissão de Direitos Humanos onde nunca participou na suas sessões semestrais muito menos apresentou um único relatório, depois de cerca de 30 anos de ter assinado a sua carta constitutiva.
Registamos com agrado a recente intervenção do Presidente JOMAV na cerimónia da sua investidura que a dada altura afirma citamos “ Reafirmo que serei o Presidente de todos os guineenses e que tudo farei para que os diferentes órgãos de soberania respeitem e façam respeitar o estado de direito democrático e de justiça social, baseado no pluralismo político e de expressão, no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais de todos os cidadãos, independentemente de qualquer circunstância que os diferencie, assegurando igualdade de oportunidades” fim da citação.
Esta proclamação de fidelidade para com os valores do estado de direito feito pelo Presidente da República, deve traduzir em ações concretas ao nível do governo e da própria presidência da república, por forma a mostrar ao mundo que somos gente com dignidade e capacidade suficiente para fazer o melhor.
Os desejos de consolidação da paz e desenvolvimento sustentável dependem em grande medida do compromisso sério com os direitos humanos, caso contrário, continuaremos afundar o país e trair a memória daqueles que hipotecaram as suas vidas em nome da nossa liberdade e bem estar.