Um novo
poder apoiado pela comunidade internacional será capaz de lidar com maior
pragmatismo e, sobretudo, incutir confiança.
É muito
frequente considerar-se a Guiné-Bissau um Estado falhado, à deriva, dominado
pelo crime organizado.
Todos os
indicadores o demonstram na última década. Está muito próximo desse “estatuto”.
Não há presença da Administração estatal eficaz em praticamente nenhum sector
da vida nacional. Existem serviços quase todos eles dominados por uma corrupção
generalizada e ostensiva, que salta à vista de toda a gente. O Estado não
consegue cobrar impostos. As actividades económicas desenrolam-se num autêntico
maná de economias paralela, sem taxação, sem controlo de segurança e qualidade.
Alguns
destes sectores alimentam-se do caos. Há uma transversalidade do caos.
A
Guiné-Bissau foi engolida por problemas de crime organizado, tráfico de drogas,
tráfico de seres humanos, o desmatamento, a pesca ilegal, que esgotou os seus
recursos naturais. O Porto de Bissau está cheio de contentores carregados de
madeiras preciosas que sem destinatários oficiais... alguns governadores
provinciais (reconhecidamente corajosos…), denunciam todos os dias estas
situações nas páginas dos jornais. Mas não há polícia, guarda-fiscal, exercito,
com vontade de parar estes desmandos. Tudo na mais absoluta impunidade. Os
tribunais não funcionam, o Ministério Publico tem centenas de processos, sobre
crimes graves, incluindo espancamentos de políticos, que estão fechados na
gaveta e provavelmente nunca verão a luz do dia.
Há uma
sensação de impunidade sobre os militares, umas forças armadas descontroladas,
mal alimentadas, mal pagas, sem dinheiro para uniformes, para equipamentos. Ao
mesmo tempo há um generalato e almirantado completamente inúteis,
desproporcionado em número, que exibe orgulhosamente galões e estrelas
brilhantes, e com um poder avassalador. Gente muito “sensível” e orgulhosa.
Desde a
guerra civil de 7 de Junho de 1998, que a Guiné Bissau conheceu vários golpes
de Estado sangrentos, intentonas, assassinatos consumados de chefes militares,
de um Presidente Eleito, tentativa de assassinato de um Primeiro-Ministro no golpe
de Abril de 2012.
Nas eleições
gerais de Abril e Maio, os eleitores mostraram um cartão vermelho a estes
ditadores: querem mudar e querem fazer parte dessa mudança. A grande afluência
às urnas em todo o País foi a confirmação de que os guineenses, nas cidades,
nas tabancas, na diáspora, querem ser parte de uma transformação radical do
actual “status quo”. Os comícios de campanha eleitoral foram
marcados pelo civismo. Deve haver poucos lugares no mundo, onde os dois candidatos
rivais escolhem para fecho de uma campanha na segunda volta das presidenciais,
a mesma praça central de Bissau, em festa, sem discursos inflamados, com os
dois campos de apoiantes a trocarem abraços, cumprimentos, entre si.
Fui
testemunha privilegiada disso em serviço de reportagem, nos contactos pessoais.
E
verifica-se que a generalidade dos guineenses sabe bem que escolhas há a fazer,
neste regresso à Ordem Constitucional e no elenco de prioridades, que se podiam
encaixar num autêntico programa de emergência nacional.
Não há
medicamentos nem alimentos para os doentes internados nos hospitais, o
abastecimento de energia electrica é caótico, a capital, Bissau, está quase
toda às escuras, não obstante os seus residentes pagarem para ter “saldo”, um
pré-carregamento de electricidade. Prolifera a poluição do ar por todo o lado,
já que a alternativa à electricidade da rede pública, são os milhares de
geradores a gasóleo, que não chegam à maioria dos residentes, mas são o motor
do funcionamento de estabelecimentos comerciais, hotéis, edifícios públicos,
etc.
Tudo isto
encarece a prestação de serviços e bens essenciais.
Bissau é uma
cidade cara, alguém me dizia que em “certa medida não anda muito longe do
Dubai…”
Os
produtores de fruta, deslocam-se do interior para os centros urbanos, para
comercializarem os seus produtos, e no tajecto são “portajados” várias vezes
por supostos fiscais, tornando a vida insuportável a muitos deles, e tudo
inflacionando.
O
abastecimento de água é igualmente muito irregular, obrigando muitos guineenses
a percorrerem longas distâncias com bidões às costas, para poderem cozinhar e
matar a sede. As condições higio-sanitárias são preocupantes, não há recolha de
lixo, a alternativa são as queimadas um pouco por toda a cidade. Os esgotos a
céu aberto são um autêntico viveiro de mosquitos e de muitas outras coisas
insalubres, num país com um clima tropical quente e húmido, onde seres humanos,
em especial as crianças e animais, “partilham” uma água pestilenta, perigosa,
indutora de doenças como a cólera e a malaria.
Luís Nascimento
In Público