5 de setembro de 2016

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA EM CRISE NO SISTEMA PENITENCIÁRIO GUINEENSE

O nosso sistema penitenciário, apesar da sua refundação com a reforma do sector da justiça de 2010, e a construção de duas prisões com capacidade para albergar no máximo noventa re- clusos, está aquém do desejado, não apenas por não estar em condições de fazer face ao crescimento da criminalidade no país, mas também por não dispor de estruturas físicas e organizacionais capazes de garantir as efetivas reinserção e reintegração sociais do recluso.
O desrespeito pela pessoa de recluso por parte do Estado da Guiné-Bissau continua a ser gritante. O não cumprimento das regras mínimas das Nações Unidas para tratamento de prisioneiros, aprovadas pelo Decreto n.o 12/2011 é recorrente. Os reclusos são privados dos mais elementares direitos que lhes assistem, sendo que na maioria de centros de detenção os reclusos não dispõem de alimentação adequada e assistência médica. Acresce também que as infra-estruturas prisionais têm vindo a degradar-se a cada dia que passa, uma vez que desde a reabilitação de 2010, não houve nenhuma obra de manutenção, facto que reflete na vida penitenciária dos reclusos e constituindo também factor de desmotivação dos agentes penitenciários. Além do mais, as prisões da Guiné-Bissau têm o mais baixo nível de segurança a nível da África de Oeste, caracterizado de barreiras físicas abaixo dos padrões médios internacionalmente aceites, falta de energia eléctrica para manter a vigilância noturna e falta mecanismos de persuasão para manter a vigilância perimétrica e periférica, por forma a dissuadir eventuais evasões ou inclusões.
O Centro de Detenção da Polícia Judiciária encontra-se entre os piores sítios para detenção das pessoas no mundo. Este espaço que é suposto acolher detidos à espera de julgamento, é composto por quatro celas, sendo que três deles servem para alojar os detidos e presos do sexo masculino e uma destinada aos detidos do sexo feminino. As três celas com aproximadamente 60 m2, com capacidade para albergar 30 presos, visto que os padrões internacionais em matéria de detenção apontam que um detido deve ter no mínimo 2 m2, recebe cerca 60, chegando até a albergar 80 reclusos, isto quase triplo da sua capacidade normal. Os detidos ficam amontoados nas celas numa situação totalmente desumana.
Esta situação motiva os reclusos a estabelecer escalas para dormir à noite. Enquanto outros estão a dormir, outros ficam de pé à espera que estes completem o tempo de sono, acordados, para depois serem substituídos. Os detidos pernoitam até nas casas de banho.

Os detidos do Centro de Detenção da Polícia Judiciária estão sujeitos ao tratamento cruel, desumano e degradante. O Estado não garante assistência material, a responsabilidade de fornecer a comida às pessoas cujas liberdades são privadas ou restringidas em consequência de cumprimento de uma pena privativa de liberdade ou em virtude de uma prisão preventiva, foi passada para os familiares. Toda a alimentação está a cargo dos famíliares e os presos sem família ou àqueles abandonados pela família alimentam-se da benevolência daqueles que recebem comida fornecida pelos familiares. Igualmente, as autoridades penitenciárias não se ocupam da assistência médica e medicamentosa das pessoas privadas da sua liberdade. Aqueles cujos familiares os abandonaram ficam à mercê da enfermidade e entregues à sua sorte. A separação de detidos de acordo com a idade e de tipo de crime de que são imputados é uma tarefa impossível, estando na mesma cela, os menores com os maiores de idade, as pessoas de criminalidade complexa e violenta com as pessoas de crimes de menor gravidade. As detenções continuam a ocorrer para além de quarenta e oito horas previstas no Código do Processo Penal e na Constituição.
As condições nas prisões de Mansôa e Bafatá está tendencialmente a degradar-se visto que alguns ganhos obtidos logo após a abertura destas prisões reduziram-se drasticamente porque o Estado tem vindo a negligenciar o seu dever face às prisões e aos prisioneiros.
Embora estas duas prisões não enfrentem problemas de superlotação, as condições das mesmas estão a regredir paulatinamente.
As camas dos prisioneiros não oferecem condições para o sono tranquilo porque provocam dores e mazelas nas costas dos reclusos. As casas de banhos encontram-se em estado que afeta a saúde do recluso, isto porque, o Governo não tem cumprido com o seu dever de fornecer, regularmente, produtos de higiene para manter as celas sempre limpas e salubres. A água consumida nas prisões é imprópria para a saúde. A comida fornecida aos prisioneiros não tem valor nutricional suficiente para manutenção da saúde e vigor físico do preso conforme prescreve o n.o 2 do art.o11 do Decreto n.o 12/2011.
É fornecida às prisões uma quantia diária de dez mil francos CFA para alimentar uma população de 26 detidos na prisão de Mansôa e de 50 reclusos no Estabelecimento Prisional de Bafatá, sem contar com os guardas prisionais, cujo almoço sai dentro daquele valor, que é manifestamente insuficiente. A falta de alimentação adequada nas prisões tem contribuído para o elevado número de casos de doenças ligadas à má nutrição dos reclusos.
Nas duas prisões, os reclusos beneficiam de assistência médica e medicamentosa graças ao apoio da Diocese de Bafatá e da ONG italiana, Manitese em Mansôa. No entanto, a assistência prestada resume-se a pequenas enfermidades e não há um serviço médico permanente. Quando por infelicidade a situação da saúde do recluso requerer cuidados mais especializados e intensos, o Estado tem mostrado incapacidade para arcar com os custos de tratamento, facto que já acarretou vários óbitos ocorridos nas prisões. Acresce que as prisões não dispõem de viaturas para transportar os reclusos para o hospital em caso de doença. É recorrente rogar os préstimos a particulares para fazer deslocar o recluso ao hospital em caso de doença. Às vezes, os guardas prisionais são colocados na situação em que têm que carregar os reclusos doentes às costas, para evitar fatalidade na situação de doença grave, até ao hospital, que fica aproximadamente 800 metros da prisão de Bafatá e 1500 da prisão de Mansôa.
Por vezes os reclusos recusam ser levados para o hospital a pé e por motivos de segurança são algemados, facto que põe em causa a sua dignidade e agrava a sua exclusão social. Os reclusos passam mais tempo em celas, facto que lhes provoca stress e ansiedade porquanto só têm no máximo cinco horas de recreio por dia.
Enquanto a classe politica não se entendem sobre as melhores formulas de apoderar os recursos finenceiros do país, a situação geral da Guiné-Bissau vai-se degradando dia após dia com particular consequência na vida das pessoas privadas de liberdade.
É urgente mudar este cenário preocupante, criando condições para o bem estar de todos os  guineenses inluindo os que se encontram  em regime de privaçao de liberdade.