1 de outubro de 2024

CONTRA A MARÉ

Um toca-toca cheio percorre a cidade de Bissau. Dada a idade da viatura e o mau estado do piso, ao ouvir somente o som, parece um comboio. Habituados a este transporte privado que faz as vezes do público na ausência de mais um serviço público que o Estado da Guiné-Bissau não consegue suprir, os passageiros seguem distraídos, absortos nos seus pensamentos. Nas suas dificuldades. Nos desafios do desenvolvimento do seu país. Nos seus direitos reconhecidos “de jure”, mas não “de facto”. Vão saindo aos poucos, rumo ao seu destino onde nada é adquirido, tudo é conquistado com esforço. Onde a sociedade civil é resiliente e luta por um amanhã mais promissor.

Assim começa a curta-metragem “CONTRA A MARÉ”, realizada por Inês Ventura, produzida no âmbito do projeto “tODxS” pela Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global”. Na tarde soalheira em plena época da chuva de 27 de setembro de 2024, 28 pessoas reuniram-se na Casa dos Direitos em Bissau para assistir à exibição da curta-metragem “CONTRA A MARÉ”, na sua ante-estreia precisamente no país que retrata. Estiveram presentes representantes da sociedade civil e outros atores do desenvolvimento.

Gueri Gomes Lopes, enquanto Coordenador da Casa dos Direitos, abriu a exibição.

A Casa dos Direitos é uma rede de associações e ONG que decidiu transformar uma antiga prisão colonial num espaço onde a liberdade reina. Gueri Lopes acumula também a função de Secretário Nacional da Comunicação e Relações-Públicas da Liga Guineense dos Direitos Humanos, entidade que tem a sua sede precisamente neste espaço.

O silêncio foi total. Concentração absoluta no que se passou durante 15 minutos na tela que refletia a imagem do videoprojetor e no som que saía da potente coluna de 1000 w.

O debate foi aberto por João Monteiro, coordenador de projetos do IMVF, em missão de monitoria de projetos no país, que sublinhou os desafios que o país enfrenta, na área dos cuidados de saúde materno-infantis, no desenvolvimento da agricultura, no combate ao radicalismo e extremismo violento, na capacitação da sociedade civil…e nos esforços promovidos pelos demais atores do desenvolvimento, entre os quais o IMVF, para dar uma resposta assertiva a estes problemas.

    
O fotojornalista Mário Cruz, responsável pela direção de fotografia da curta-metragem, comentou depois a sua experiência pessoal no país e a realidade dos direitos humanos aqui vivida. Diz que, não sabe explicar, mas sente uma empatia e um carinho especial por este país, o que o tem feito voltar de tempos a tempos, como profissional, para retratar a realidade que vê a partir das suas lentes.

       
Bubacar Turé, na qualidade de Presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, entidade que assume o secretariado da Casa dos Direitos, destacou três notas: “

1. O filme mostra que o país está estagnado e parado no tempo, em todas as dimensões, sobretudo social e económica. Na medida em que nos revela o funcionamento ineficaz dos serviços sociais básicos, educação, saúde, energia elétrica e questões ambientais; 

2. A existência de uma massa crítica sobre o estado ruinoso em que o país se encontra, ou seja, apesar do contexto extremamente difícil em que nos encontramos, há cidadãos com conhecimentos científicos bastante elevados e disponibilidade para ajudar a resolver os problemas; 

3. Não obstante as dificuldades existentes, que à partida parecem sem solução, os guineenses têm esperança num futuro promissor mas que terá de resultar da luta permanente de todos”.

          
Vítor Santos, responsável da ONGD FEC – Fundação Fé e Cooperação em Bissau, parceiro do projeto, referiu que o documentário retrata poderosos testemunhos, que apesar de demonstrarem o muito que está por fazer, conferem uma nota positiva, de otimismo, resiliência e confiança num futuro melhor.

                             
Já Cristina Alves, enfermeira portuguesa, referiu que na atual função lida mais com os aspetos burocráticos, também necessários ao funcionamento do sistema nacional de saúde, porém ao assistir a este documentário, recordou o seu início no quadro do PIMI, em como na ocasião passava mais tempo na tabanca, no trabalho com as comunidades. É esse amor aos guineenses, às mulheres, às mães, aos jovens, que a fazem deixar o seu país para contribuir para a redução materna e infantil na Guiné-Bissau e agora ajudar a introduzir 10 cuidados de especialidade através da telemedicina.

Fatumada Djaló na sabedoria dos seus 23 anos, tornados mais maduros pelos desafios que vivencia, chamou a atenção pela ausência de pelo menos um testemunho de uma pessoa com deficiência, uma causa que precisa ser atendida.

     

Artigo por João Monteiro, coordenador de projetos no IMVF.

Uma nota final de agradecimento à Casa dos Direitos pela cedência do espaço e a todos os que tiveram presentes e, em particular, ao apoio de Lucínio Cabral na cobertura fotográfica da Exibição.